Memórias de um cão e de um menino
Sou um cão feliz, amigo de Caio, menino que gosta de mim. Quando Caio vai à roça, eu vou junto. Caio me ensinou chupar laranja. Quando ele descasca uma, eu chego perto e logo ele me dá uma fatia de laranja. No começo achava que era azeda, dava uma mordida e largava, dava outra mordida, mastigava um pouco e a engolia. Agora não! Eu a mastigo e a engulo. Acho que é gostosa.
Caio quando chupa cana, me dá uns pedaços, e eu os mastigo e jogo fora o bagaço. Caio brinca comigo, joga um objeto e me manda buscá-lo; eu vou correndo, o pego na boca e o levo até perto dele. Ele repete a cena, várias vezes, e eu o busco, nem que seja no meio da água. Num outro dia, escapou um porquinho da mangueira e Caio disse: “Corra e vá pegá-lo”. Eu fui, o cerquei, e o segurei pela orelha. Caio veio e o colocou de volta na mangueira. Assim faço quando me manda pegar um frango; seguro até estar nas mãos de Caio.
Lá no potreiro estão os animais. Caio diz: “Bampi – assim é meu nome – vá buscar os animais e os ponha na mangueira”. Como eu gosto de fazer este serviço! Já peguei prática e os animais me obedecem.
A casa de Caio fica em frente a um cemitério público. Certo dia eu estava deitado na varanda da casa. O portão estava fechado. Pela fresta do portão, eu olhava para o cemitério e via alguma coisa se mexendo lá dentro; ao mesmo tempo escutava como que gemido de criança. Dei umas latidas. Caio veio correndo para ver o que eu queria. Coloquei-me em posição de saída e Caio entendeu que eu queria sair.
Abriu o portão e eu corri ao cemitério, raspei o chão ao redor de um bracinho e desenterrei uma criança; estava viva! Caio a levou para casa; foi salva. Esta é a história de Bampi, contada por ele mesmo.
Outras coisas aconteceram na casa de Caio. Uma delas foi assim: “A mãe de Caio, ficou doente. Fugia de casa e ninguém sabia para onde”. Caio disse: “Bampi, cuide da mamãe”. “Quando ela sair de casa, vá junto e se acontecer alguma coisa para ela, venha me avisar”.
Desde então, eu Bampi, passei a ser o guarda da mãe de Caio. Um dia a mãe de Caio saiu de casa, sem eles perceberem. Mas eu percebi e a acompanhei. Ela foi longe, subiu um morro, passou picadas no meio do mato. Tentou passar uma cerca de arame farpado. Não havia portão, só arame. Querendo passar pelo meio da cerca, se enroscou e ficou presa; quanto mais se mexia e tentava sair, mais se enroscava.
Vendo o que lhe acontecera, corri para casa, fui chamar Caio. Achei o pai dele, Marcos, marido da doente. Ele estava procurando a mulher – Rosa. E ao ver-me, disse: “Chegou Bampi, está assustado, vamos segui-lo”. Eu ia correndo à frente e Marcos e a filha dele, Olga, vinham atrás. Quando chegamos onde estava Rosa, percebi que ela estava mal. Marcos disse: “Nossa, ela está morrendo”!
Foi tirada do arame e Marcos a carregou nos braços até à casa. Naquele dia, quando Caio voltou da escola, deu-me os parabéns por ter salvado a sua mãe! E assim fui servindo a família. Pouco tempo depois Rosa faleceu. Eu também envelheci, diz Bampi.
Caio conta que Bampi foi servindo Marcos e sua família até uma boa idade. E um dia de calor, ele se deitou debaixo do trator, aproveitando a sua sombra. Ao ser acionado, o trator rodou um tanto e Bampi deu uma cabeçada nos ferros do trator e com isso, ele foi se apagando. Deixou Marcos, Olga e Caio tristes pela sua ausência e perda. Amém.
Concluindo: Nem todos os cães são educados para serem úteis. O Bampi teve sorte de estar com o menino Caio. Foi aprendendo com seu amigo. Nesta amizade se ajudavam. Caio sentia-se feliz e Bampi mais ainda, sentia-se útil e companheiro de Caio. Bampi fazia tudo com gosto. Salvou a mãe de Caio e uma criança viva que estava enterrada. Era um cão amigo, ágil, útil que zoava. Amém.