A falsificação de jornal na ditadura: um capuchinho na linha de frente
A falsificação do Jornal “O São Paulo” aconteceu na semana de 20 a 26 de agosto de 1982. Foi composta em Brasília. O jovem Ney Mohn , nazista confesso e conhecido como tal, não em sentido figurado, ligado a grupos militares de direita inconformados com a passagem do governo militar para os civis, confessou sua participação direta, neste crime, numa entrevista dada à Revista ISTO É, n° 297. Pelo que parece teve também a simpatia e o conhecimento do chefe do Serviço Nacional de Informação, SNI, General Aguiar Medeiros, mais tarde comandante militar da Amazônia, que demonstrava vontade de ser eleito sucessor do General Figueiredo. Foi impresso na Gráfica Perez e Bonevolenta, situada na Rua Dialogita, 114 , Bairro de Santa Efigênia, em Belo Horizonte, MG. O fotolito foi composto pela Geogram – Serviços Gráficos Auxiliares Ltda. Essas empresas foram apenas contratadas para realizar o trabalho, sem nenhum conhecimento ou participação intencional no crime. O material foi entregue, segundo declaração da gráfica, por dois homens, um mais moço e mais alto e o outro, de mais idade, baixo e atarracado. A Geogram cobrou dez mil cruzeiros na moeda daquele tempo e a gráfica, vinte mil. Segundo o chefe da gráfica, apenas se admiraram de que a impressão do jornal oficial da Arquidiocese de São Paulo fosse encomendada em Belo Horizonte.
Todos esses dados foram fornecidos pelo chefe da gráfica Bonevolenta. Era um homem correto, e pelas ameaças recebidas, precisou deixar seu trabalho com urgência em Belo Horizonte, sendo acolhido em nosso convento da Imaculada Conceição de São Paulo. Veio com praticamente a roupa do corpo. Recebeu todo apoio dos frades e lhe foi fornecido tudo o que necessitava naquele momento, inclusive roupas. A pedido do Cardeal Dom Paulo, Pe. Galaxe, SJ, fundador da Editora Loyola, deu-lhe emprego e ele mudou-se com sua família para São Paulo.
Eu havia chegado de Roma, no dia 18, onde tinha participado do Capítulo Geral, como delegado da Província de São Paulo. Já no dia 20 foi distribuído o jornal falsificado em todas as igrejas da Arquidiocese. Tive que enfrentar todo o problema. Chamadas na Polícia Federal, conversas difíceis com Romeu Tuma, Diretor do DOPS de São Paulo, entrevistas com jornais e TVs. Da parte das autoridades havia uma tremenda má vontade.Tratavam a gente como culpado do crime e não como vítima. Não houve nenhum interesse em esclarecer o crime. Houve movimentos e viagens de delegados de São Paulo, de Belo Horizonte e de Brasília, mas não se notava intenção de esclarecer coisa alguma. Apesar de todos os esforços do advogado José Carlos Dias, um dos fundadores da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e mais tarde Secretário da Justiça no Governo de Franco Montoro, e Ministro da Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso, tudo caiu no vazio, mesmo com a declaração do autor principal desse crime. No dizer de Dom Angélico Sândalo Bernardino, Diretor do Jornal: “Os culpados desse caso são como elefante branco em uma praça. Só a polícia não vê”. O Diretor do Dops me disse cinicamente: “Então que Dom Angélico aponte o elefante branco”. Nessa época já havia sido tirada a censura dos jornais, mas o jornal “O São Paulo” foi o último veículo de comunicação a ser liberado. É que o jornal, apesar de ser um semanário e de escassa circulação, era lido e comentado pelas Comunidades de Base de todo o país, com forte oposição ao regime autoritário.
A intenção da falsificação era apresentar uma falsa “mea culpa” do Cardeal Dom Evaristo Arns, como um filo-comunista, que voltava ao bom caminho, como um pastor que havia falhado gravemente na orientação dos fiéis. Estampava um (falso) apoio incondicional de Dom Angélico ao Cardeal e uma declaração minha, de primeira página, de que eu como redator chefe estava disposto a executar todas as novas orientações do Cardeal Dom Paulo. A falsificação foi um trabalho de profissionais, pois os autores do crime imitavam o estilo de Dom Paulo Evaristo, de Dom Angélico e também o meu estilo. Numa observação mais superficial, realmente confundia, pois as declarações falsas, aparentemente, seguiam o estilo de cada um. O Jornal foi distribuído de madrugada em todas as igrejas de São Paulo, no dia 20 de agosto de 1982.